Domingo de Carnaval, pouco antes da Covid-19 agir como ceifador da vida de milhares de brasileiros e carcereiro de outros milhões, a agenda no meu Roteiro do Cangaço, consistia em visitar um cemitério; não um Campos Elísios qualquer, mas o Cemitério de Nazaré do Pico, pequeno Distrito de Floresta(PE), local onde estão sepultados além dos fundadores do lugar, 16 Volantes e líderes destemidos no combate ao cangaço do período lampiônico, entre eles o tenente Manoel Neto.

Após conhecer o Sítio Passagem, berço de Virgulino Ferreira da silva – Lampião, a próxima parada, Nazaré do Pico, antiga Carqueja, 56 Km distante de Serra Talhada. É um lugar importantíssimo para qualquer narrativa sobre o cangaço, porque neste lugar nasceram, viveram e combateram os mais ferrenhos perseguidores de Lampião: Os nazarenos – a terra do lendário João Gomes de Lira, combatente de primeira hora.

Imagem: Bando de Lampião deixa Pernambuco, perseguido pelas Volantes dos Nazarenos

Além de lugares na Zona Rural, em Nazaré, em uma pequena caminhada, o visitante pode conhecer casas hoje pertencentes aos descendentes, mas antes, a casa onde funcionava a barbearia de Manoel Flor, onde o velho José Ferreira, pai de Virgulino, levava os filhos para o corte de cabelo, uma capela, palco do casamento, em 1923,  de Maria Licor com um próspero rapaz do lugar.

Seria um casamento comum, num vilarejo perdido de Pernambuco, não fosse a noiva, Maria Licor Ferreira, prima de Virgulino Ferreira que, enciumado (Lampião “achava” que namorava com a prima), resolveu acabar com o casamento. Fracassou no intento; foi “convencido” pelo padre e cidadãos do lugar a deixar o vilarejo. Curtindo “roedeira” grande, restou ao futuro Rei do Cangaço, “encher a lata” no final da rua, dar tiros para o alto e ir embora com um irmão ferido.

 Capela de Nazaré do Pico; lugar do primeiro atrito entre Lampião e moradores, por causa de uma prima

Neste vilarejo, Lampião viveu parte de sua juventude como almocreve, domador de burros e cangaceiro “provisório”.

Além da capela, tem o famoso cemitério. Por sinal, do outro lado da rua fica a casa do tenente Manoel Neto, outra lenda da Polícia Militar de Pernambuco, e hoje residência de seus descendentes.

Visitar túmulos também faz parte de roteiro turístico na Rota do Cangaço. E este de Nazaré, abriga túmulos de 16 Volantes e de PMs que combateram Lampião. Os Nazarenos formavam Volantes integradas por primos, irmãos, garotos entre 14 e 17 anos, que deixaram suas famílias e vilarejos para trás para se lançarem em vinditas contra Lampião. Foram os mais audaciosos e combativos.

                Tenente Manoel Neto, perseguidor de cangaceiro e revolucionário em 1930

Corisco: último dos cangaceiros, recusou a anistia dada por Getúlio e foi morto quando já estava aleijado, em fuga

E Nazaré tem um busto do Tenente Manoel Neto, ou “Mané Fumaça”(apelido dado por Lampião). Ele fez carreira na PM pernambucana; combateu a bandidagem no Recife na década de 30, chegou a chefe de gabinete do governador, participou da Revolução de 30, seguiu o governador para om exílio, parou no Rio de Janeiro, onde foi hospitalizado, foi expulso da PM; depois reincorporado com a condição de combater o cangaço. E foi o que ele fez.

Busto de Manoel Neto em Nazaré, uma homenagem do lugar ao icônico líder e chefe das volantes dos Nazarenos

Ao lado praça casas bem pintadas, a maioria com arquitetura original, dão o charme de vilarejo. Igual ao município sede, Floresta, com seu Centro Histórico preservado com casas e casarões em cores vivas.

Tão importante quanto visitar locais icônicos do cangaço, é conversar com os moradores de Nazaré do Pico, muitos descendentes  das famílias que cederam seus filhos para o combate a Lampião, considerado também um dos seus, pois a Família Ferreira, obrigada a deixar Vila Bela (Serra Talhada), para lá se refugiou, para também ser banida de Pernambuco.

 Barbearia  de Manoel Flôr, lugar frequentado por José Ferreira, pai de Lampião, Antônio e Livino quando crianças

Eles falam com orgulho dos patriarcas e fundadores do lugar como David Jurubeba, João Gomes de Lira, de Manoel Neto e de muitos outros. Mantém a memória do lugar como se os acontecimentos do início do século XX tivessem ocorrido há apenas alguns dias.

Fazem questão de enfatizar que foram vítimas do facínora, mas ressaltam a honestidade e civilidade do velho José Ferreira, pai dos cangaceiros, Antônio Ferreira ( vulgo Esperança), Livino ( o Vassoura, devido a sua função no bando, que era de vanguarda e exímio atirador) e João Ferreira, que não pegou em armas para proteger as mulheres da família.

Fotos de Manoel Neto e Corisco, a partir de livros sobre o cangaço, melhoradas por Sérgio Roberto  e Rubens Antonio

João Costa